Viagem ao Mato Grosso, para visitar escolas indígenas Chiquitano e realizar atividades de extensão sobre Ocean Literacy (Ocean Senses) e restituição do projeto co-criado com os moradores da Vila Nova Barbecho (Acordo de Escazu em quadrinhos)

By: Loyuá Ribeiro F. M. da Costa, Silvano Chue Muquissai, Cecília Silva Campos (revisão)

 Introdução: Projeto Ocean Senses e o objetivo da viagem às aldeias da etnia Chiquitano (AKMA2 - Avançando o Conhecimento do Metano no Ártico e em parceria com ECO_CARE)

 Em maio de 2022, a equipe ECO_CARE se juntou ao “Ocean Senses  (AKMA2)”, coordinado pela Professora Giuliana Panieri endossado pela Década do Oceano da ONU. Giuliana Panieri forneceu amostras de sedimentos do Ártico e modelos 3D de foraminíferos, juntamente com background científico de pesquisa sobre o Ártico, no âmbito do projeto AKMA, apoiado pelo Conselho de Pesquisa da Noruega (subvenção 287869). Durante a expedição do KronPrins Håkon, cientistas e educadores desenvolveram ferramentas de aprendizagem para experimentar o oceano usando todos os nossos sentidos (tato, visão, olfato, audição e paladar). O Ocean Senses trata-se de um projeto multidisciplinar (2021-2022) envolvendo ensino e pesquisa que aborda estudos realizados no Ártico, em particular sobre a percepção do oceano através dos sentidos e da disseminação do conhecimento científico para as escolas para desenvolver a alfabetização oceânica, ou seja, a consciência da influência do oceano na vida humana e da vida humana no oceano. O projeto foi co-financiado pela Akma (metano no Ártico) e pela ECO_CARE e realizado em parceria internacional de Educação, Pesquisa e Inovação do Conselho de Pesquisa Norueguês (“INTPART”), CAGE/UiT (Noruega), WHOI (Estados Unidos), tendo também como objetivo a realização de atividades de extensão em escolas de diferentes partes do mundo (Noruega, Itália, França, Tajiquistão e Quirguistão, Portugal, Brasil, Tanzânia e Botswana). O intuito é que crianças (de 8 a 16 anos) de todo o mundo trabalhem em conjunto para aprender sobre nosso belo planeta, os oceanos e a importância de cuidar dos espaços azuis e verdes e para desenvolver histórias e ilustrações que estabeleçam conexões entre o mundo dos foraminíferos e a pesquisa em alto mar com suas próprias experiências. 

O material didático produzido pelo Ocean Senses foi utilizado pela primeira vez nas escolas indígenas Chiquitano no Mato Grosso, Brasil. A equipe ECO_CARE já trabalha com esse povo desde 2020 num projeto sobre os modos de Proteção e Direitos da Água, com base na relação dos grupos étnicos Chiquitano com a Natureza. O referido projeto tem como objetivo investigar as relações dessas pessoas com a água com base em crenças, rituais, hábitos, cultura, espiritualidade e regras, a fim de demonstrar o acesso (ou falta de), uso e cuidado com a água.

Para realização do Projeto Ocean Senses foi necessária a ida em diversas aldeias da etnia Chiquitano. A equipe do Brasil, Giulia Parola, Loyuá Ribeiro F. M. da Costa e Silvano Chue Muquissai, percorreu um total de cerca de 800 km na região da fronteira entre Brasil e Bolívia. A experiência proporcionou um intercâmbio de ideias, histórias, conhecimentos e cosmovisões entre indígenas e não indígenas. Foi uma verdadeira aventura e vamos compartilhá-la com vocês aqui!

A viagem para algumas aldeias da etnia Chiquitano foi realizada entre os dias 28 de agosto a 02 de setembro de 2022. E a aventura ocorreu da seguinte forma:

 1º dia - 28 Agosto 2022

De Cuiabá para a Aldeia Vila Nova Barbecho, Porto Esperidião, Mato Grosso, Brasil

Para realização das atividades do Projeto Ocean Senses, a equipe do Projeto EcoCare saiu de Cuiabá por volta das 08h. As pessoas que participaram da viagem foram Giulia, Loyuá, Silvano, Vanessa Tais de Santana Barros e o filho deles, de 5 meses de idade, Sami Nauru Chue.

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Primeira foto da viajem com os participantes : Giulia, Loyuá, Silvano, Vanessa e Sami

Chegaram na aldeia Vila Nova Barbecho após 8 horas de viagem, por volta das 14h. Estava muito quente, cerca de 37 graus Celsius. Por isso, Loyuá e Giulia desceram até o Córrego Nopetárch para se refrescar. Em seguida, iniciaram o diálogo com os indígenas da aldeia, observaram a paisagem e vegetação, bem como organizaram os materiais para execução do Projeto Ocean Senses para o dia seguinte. Giulia e Loyuá dormiram na Escola Estadual Indígena Chiquitano José Turíbio, mesmo local onde foram executadas as atividades do Projeto. Foi ótimo fazer novos amigos e estar em uma aldeia tão linda, repleta de acuri, pássaros, e uma cultura diferente. Durante a noite foi possível ver as estrelas e também ver morcegos e sapos caçando insetos. Que mundo maravilhoso, repleto de diversidade! A aventura estava apenas começando…

 

Silvano e Sami na Escola Estadual Indígena Chiquitano José Turíbio, Aldeia Vila Nova Barbecho – Porto Esperidião, Mato Grosso, Brasil.

2º dia - 29 Agosto 2022

Atividade do Projeto Ocean Senses na Escola Estadual Indígena Chiquitano José Turíbio, Aldeia Vila Nova Barbecho – Porto Esperidião, Mato Grosso, Brasil.

A equipe do Projeto EcoCare foi recebida com muita alegria pelos indígenas. No café da manhã, comeram “biju”, comida tradicional feita por várias etnias, com polvilho de mandioca, popularmente conhecida no Brasil como “tapioca”.

Silvano e seu filho, Sami. Café da manhã na Aldeia Vila Nova Barbecho – Porto Esperidião, Mato Grosso, Brasil.

No período da manhã, foram realizadas as atividades sobre os forameníferos na "Escola Estadual Indígena Chiquitano José Turíbio". Giulia explicou sobre o projeto e o que são os forameníferos enquanto Loyuá passava os slides e fazia anotações sobre a atividade. O professor da escola, o indígena Chiquitano Edmundo Nicolau Chue Muquissai, irmão de Silvano, ficou responsável por fazer os registros fotográficos. A diretora da escola, Saturnina Urupe Chue, fez falas específicas sobre as explicações de Giulia, para auxiliar na compreensão dos alunos.

Em seguida, os alunos realizaram a atividade de observar os forameníferos através das lupas. Após a atividade, os alunos foram chamados a reproduzir o que foi observado de maneira criativa e livre, pintando, desenhando e cantando canções relacionadas à água. Também contaram histórias de conchas encontradas no seu território tradicional, com cosmovisões passadas por seus antepassados. O resultado da atividade foi realmente lindo e importante no intercâmbio de ideias, de mundo, entre culturas.

 

Foto dos alunos da Escola Estadual Indígena Chiquitano José Turíbio com os  forameníferos e as reproduções artísticas.

No período da tarde, embaixo da mangueira onde foram feitas algumas fotografias para a produção do livro, ocorreu a restituição e o compartilhamento do livro co-criado com os moradores da Vila Nova Barbecho “O Acordo de Escazú em Quadrinhos feito pelo e para o povo Chiquitano, um projeto co-criado de Legal Design e Visual Law” (Ed. Giulia Parola e Margherita Paola Poto, Torino Giappichelli 2021).

No evento, os protagonistas do livro receberam uma cópia com muita alegria, foi uma festa! Eles estavam ansiosos para encontrar sua imagem o tempo todo. Foi a primeira vez que eles se viram num livro feito com e por eles. Finalizando o segundo dia com novos e velhos amigos.

 

3º dia - 30 Agosto 2022

De Vila Nova Barbecho para o Portal do Encantado (Aldeia Fazendinha)

 

Neste dia, seguiram para a Terra Indígena Portal do Encantado, a cerca de 40 km da aldeia Vila Nova Barbecho, apenas Giulia, Edmundo, Loyuá e Silvano, onde ficaram por 2 dias. Chegando lá, conheceram o Rio Tarumã. Foi realmente emocionante ver o rio vivo, depois de tantos danos feitos pela fazenda que se encontra dentro da terra tradicional dos Chiquitano. O caso sobre a poluição do Rio Tarumã também foi  analisado pela equipe ECO_CARE e os alunos do PPGD da UNIRIO durante o ano de 2021 e início de 2022. Por isso, a equipe ficou tão feliz por poder vê-lo e saber que estava melhor! Até peixes foi possível ver!!! Tarumã vive!!!

 

Em seguida, a equipe do Projeto ECO_CARE foi conhecer a casa do Pajé Lourenço, onde dormiram por 2 noites, junto a sua esposa, Tereza, e filhas, Síria, Isabel, Maria Auxiliadora e Lúcia (as duas primeiras fazem parte da equipe de professoras da escola indígena). A casa do Pajé Lourenço fica de frente a Serra, onde fica o Portal do Encantado e ali mora um espírito encantado, vistos apenas por algumas pessoas. Por isso, o nome da terra tradicional indígena se chama “Portal do Encantado”, por ser moradia desse ser.

 

4º dia - 31 Agosto 2022

Atividade na "Escola Estadual Indígena Chiquitano", Espaço Central, Portal do Encantado

No período da manhã, foi realizado o Workshop sobre os forameníferos na "Escola Estadual Indígena Chiquitano", na Aldeia Central. A atividade iniciou com uma pequena palestra  e, em seguida, os alunos observaram através da lupa as amostras dos forameníferos. Por fim, foram realizadas atividades criativas com os forameníferos: pintando, desenhando e cantando canções relacionadas à água. Também contaram sobre locais onde era possível encontrar conchas no território indígena. Assim, ficou decidido que no dia seguinte, pela manhã, iriam ao rio Tarumã procurar pelas conchas. Quanta emoção!

Antes da manhã chegar, Giulia, Loyuá,  Silvano e Edmundo desfrutaram da companhia e sabedoria do Pajé Lourenço, passando o dia com ele. Foram conhecer o Memorial Chiquitano e, à noite, escutaram o Pajé rezar e tocar sua flauta feita de Taquara. Foi realmente mágico! Antes de o dia terminar, foram relaxar na cachoeira perto da Aldeia Fazendinha, onde fica a casa do Pajé. As crianças foram juntas, brincando de se molhar. Uma vida repleta de cuidado com a natureza, vivências construídas sob a proteção da mãe natureza.

 

5º dia -  1 Setembro 2022

Atividade no Rio Tarumã

Como combinado no dia anterior, os professores levaram os alunos, em conjunto com Giulia, Loyuá e Silvano para procurarem conchas no rio Tarumã. Todos entraram na água e começaram a nova aventura, andando por 2 horas no rio à procura de conchas e animais e por que não forameníferos... Você pode imaginar isso?!

 

6º dia - 2 Setembro 2022

Retorno para Cuiabá da Vila Nova Barbecho

O sexto dia foi o dia de dizer adeus aos amigos e voltar para casa. Gostaríamos de ligar para dizer obrigado. Terminamos a viagem já sentindo saudades das amizades que fizemos e das pessoas que reencontramos. Foi um momento mágico em nossas vidas que ficará para sempre em nossas memórias. O Projeto Ocean Senses foi primordial para o intercâmbio de ideias, para aproximar realidades muito diferentes, repletas de conhecimentos e cosmovisões. A água trouxe consigo memórias que fluirão para sempre em nossas vidas! Tchapié (obrigado na língua Chiquitano)! Aguardamos próximas aventuras junto aos indígenas da etnia Chiquitano, um povo forte que reivindica seu território na fronteira do Mato Grosso/Brasil – Bolívia, objetivando proteger a natureza, os rios e toda a vida que existe nela, inclusive as suas. O povo Chiquitano resiste!

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